Amigos com filhos


Inês Teotónio Pereira
i-online 2014.04.19
Hoje existe uma terceira modalidade de amigos: os amigos com filhos a tempo parcial
Existem três tipos de amigos: os amigos com filhos, os amigos sem filhos e os amigos com filhos a tempo parcial. Eu faço parte dos amigos com filhos. Sou do pior tipo de amigos. Sei disso porque lembro-me bem do tempo em que não tinha filhos mas tinha amigos com filhos: era horrível.
Quando se tem filhos a nossa vida social muda. Basicamente hiberna-se. Deixamos de ter vida social digna desse nome e todos os conceitos de divertimento alteram-se ou evaporam-se. É como se tivéssemos emigrado para uma ilha no meio do Pacífico, sem telemóvel, acesso à internet e uma diferença horária de 12 horas. Quando eu não tinha filhos, tinha saudades dos meus amigos com filhos. Sentia falta deles. Podia vê-los todos os dias, mas não era a mesma coisa. Os filhos levavam os meus amigos e o pior era que os meus amigos queriam que eu gostasse tanto dos filhos deles quanto gostava deles. Impossível: ninguém gosta muito de alguém que nos rouba amigos.
Ainda assim insisti em manter as minhas amizades com os meus amigos pais. Combinava programas e acordava mais cedo para cumprir os programas. Os amigos com filhos têm uma particularidade: andam sempre com os filhos atrás, por isso, se queria manter os amigos sabia que tinha de levar com os filhos deles e às horas deles. Não havia alternativa. Se queria beber um café com um amigo que tinha filhos, já sabia que tinha de beber um café com os filhos deles e com tudo o que isso implica: ou seja, só se bebia o café, não conversava porque os filhos dos amigos não gostam de estar em cafés e também não gostam do amigo dos pais que disputa a atenção dos pais com eles.
O pior, no entanto, era fazer uma viagem com este tipo de amigos. Viajar com amigos com filhos não se tendo filhos é uma das experiências mais penosas que se pode viver. A música no carro é miserável e repetitiva. Os CD que acompanham as viagens são coletâneas de músicas infantis e está sempre a tocar a mesma música porque as crianças são absolutamente obcecadas e gostam pouco de variedade musical. Os horários são espartanos. Pára-se a toda a hora porque a criança tem de comer, tem de fazer xixi, tem de correr, não pode apanhar sol ou está a dormir e não se pode fazer barulho. Qualquer visita de estudo é menos metódica e chata que uma viagem com amigos que têm filhos.
Os amigos com filhos também nunca podiam. Nunca podiam jantar fora, ir ao cinema, sair até tarde, ir beber uma cerveja ao fim do dia ou ir à praia a horas decentes. Nunca "dá". Ou porque tinham de se levantar cedo, ou porque não tinham com quem deixar os filhos, ou porque estavam cansados porque acordam cedo, ou porque a criança não podia apanhar sol. Por tudo isso nunca "dava". A única coisa que dava para combinar era um lanche. E chegamos à segunda coisa mais penosa: os aniversários dos filhos dos amigos. Era nestas alturas que os meus amigos com filhos se lembravam que eu existia: para comer salame, gelatinas e passar a tarde com dezenas de crianças em êxtase.
Hoje existe uma terceira modalidade de amigos: os amigos com filhos a tempo parcial. São aqueles amigos divorciados que têm períodos de tempo sem crianças porque as crianças "estão no pai ou na mãe". Estes amigos conseguem o pleno da amizade. Quando "estão sem os miúdos" são amigos dos amigos sem filhos, quando "estão com os miúdos" são amigos dos amigos com filhos. O divórcio transporta-os em períodos determinados de tempo para o mundo livre dos amigos sem filhos, enquanto nós, amigos com filhos a tempo inteiro, continuamos hibernados numa ilha perdida algures no Pacífico. Uma ilha paradisíaca, é certo, mas não deixa de ser isolada e nós não deixamos de estar hibernados.

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