O país do respeitinho

ALBERTO GONÇALVES DN 20140413
Vai para três semanas, José Rodrigues dos Santos entrevistou, julgo que pela primeira vez, José Sócrates no programa semanal que este mantém na RTP (e que os contribuintes que nunca vêem aquilo pagam). De acordo com o que li (pertenço ao grupo de contribuintes que ignoram, e financiam, aquilo), Rodrigues dos Santos, sendo um jornalista e não um serviçal prestável, aproveitou a oportunidade para questionar o Eng. Sócrates acerca da "reestruturação" da dívida, que em 2011 este achava trágica e agora acha fundamental.
Como acontece sempre que o contrariam, e sobretudo sempre que é contrariado por si próprio, o Eng. Sócrates não apreciou o desplante. Durante o programa, mostrou-se desnorteado. Depois do programa, mandou os seus súbditos na imprensa e nas "redes sociais" denunciarem a falta de ética de Rodrigues dos Santos, e se entendermos por "ética" a subserviência de tantos portugueses a certos poderosos, o argumento não era descabido. Rodrigues dos Santos, normalmente educado, respondeu através do Facebook. A coisa passou.
No último domingo, repetiu-se o encontro e, desta vez, foi o Eng. Sócrates a aproveitá-lo para acusar Rodrigues dos Santos de ser o advogado do diabo, de carecer de inteligência e de papaguear (cito) ideias de outros. Rodrigues dos Santos deixou-o falar e, no fim, apenas acrescentou o seguinte: "Registo o insulto, mas não vou responder." Se eu tivesse visto o momento em "directo", teria ouvido a bofetada ecoar no país profundo. Já o país superficial, leia-se novamente o da opinião publicada e das "redes sociais", preferiu destacar a lição do grande estadista ao aprendiz de jornalismo, enfim reduzido à sua insignificância pela sofisticada verve do popular "engenheiro".
Vamos por partes. Em primeiro lugar, a lendária verve demorou quinze dias a amanhar uma resposta, para cúmulo uma resposta tão brilhante quanto se esperaria da personagem em causa. Entretanto, o pormenor da "reestruturação" terrível versus "reestruturação" maravilhosa continuou por explicar.
Em segundo lugar, é fascinante notar que o tipo de gente que, por ordens expressas ou iniciativa pessoal, apareceu a caluniar o "desrespeito" de Rodrigues dos Santos pela excelsa figura do Eng. Sócrates é o mesmo tipo de gente que anda por aí a ofender - com indiscutível direito e discutíveis razões - os governantes e o Presidente da República. Nos meios adequados, o exercício é considerado corajoso e fundamental.
Em terceiro lugar, talvez valha a pena lembrar a ligeira diferença de critérios. Há tempos, o Eng. Sócrates concedeu uma entrevista ao Expresso na qual insultava com à-vontade diversos políticos nacionais e estrangeiros incapazes de se defender ali. Pelos vistos, isso é frontalidade. Pedir ao Eng. Sócrates para comentar as próprias afirmações é um escândalo. Fica registado.
Em quarto lugar, dá gosto ver o empenho da classe jornalística, sempre tão corporativa, em ignorar o ataque sofrido por Rodrigues dos Santos. Aconselha-se que este não leve a atitude a peito: se o perpetrador tivesse sido alguém da "direita", o "pivô" seria hoje um símbolo da resistência ao "fascismo" - com direito a homenagem nas comemorações de "Abril".
Por fim, todo o episódio prova que, após 40 anos a fingir remover Portugal do atraso, não se consegue remover o atraso de Portugal.

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