D. Eurico Dias Nogueira, um bispo erudito que lutou pela democracia

Manuel Braga da Cruz
Observador, 20/5/2014, 11:05

Foi um dos bispos portugueses que acompanhou e marcou a transição para a democracia, participando na mobilização dos católicos para a reivindicação de respeito pela vontade popular
Com idade avançada, morreu o Arcebispo Emérito de Braga, D. Eurico Dias Nogueira, um dos últimos sobreviventes do Concílio Vaticano II, onde participou apenas já nas últimas sessões. Fora nomeado Bispo de Vila Cabral, em Moçambique, ainda a tempo de participar em Roma, na derradeira fase da reunião dos bispos de todo o mundo, que promoveu o aggiornamento da Igreja Católica, há precisamente 50 anos.
Em Moçambique, notabilizou-se pela inovação do diálogo com os muçulmanos que viviam na sua diocese e, sobretudo, pelas corajosas cartas pastorais em que defendeu os direitos das populações nativas e a necessidade da paz, em plena guerra colonial. Nos últimos anos do anterior regime, transitaria para a diocese angolana de Sá da Bandeira, e daí para a Arquidiocese de Braga, onde desenvolveu uma longa e marcante actividade pastoral.
Foi um dos bispos portugueses que acompanhou e marcou a transição para a democracia, participando na mobilização dos católicos para a reivindicação de respeito pela vontade popular, próximo como era de D. Manuel de Almeida Trindade, presidente da Conferência Episcopal e, como ele, oriundo do clero de Coimbra.
Na cidade da Universidade contribuiu para a formação de gerações de universitários, como assistente do Centro Académico de Democracia Cristã, por onde passaram muitas das figuras que marcaram a vida política e parlamentar posterior ao 25 de Abril.
De formação jurídica e canonista – era licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra e em Direito Canónico por uma Universidade romana – prestou especial atenção ao problema das relações entre a Igreja e o Estado e à Concordata, tendo chamado a atenção para a necessidade de restabelecer o equilíbrio perdido com a cessação do Acordo Missionário. Em 1940, a Igreja abdicara das indemnizações pelas expropriações da I República, em troca do apoio financeiro às Missões Católicas, que foi interrompido pela descolonização.
Dedicou especial atenção à Universidade Católica, a cujo Conselho Superior pertenceu, proferindo várias e importantes alocuções nos dias da Universidade na sua Arquidiocese, em defesa da liberdade de ensino, criticando o tendencial monopólio educativo do Estado, recordando a doutrina da Igreja em matéria de educação, e a consagração constitucional dessa mesma liberdade de ensino, muito pouco respeitada entre nós. Deu um importante contributo para a história da Universidade Católica, em livro em que reuniu essas suas intervenções.
Quando foi restaurado o ensino do Direito Canónico em Portugal, com a criação da licenciatura no Instituto Superior de Direito Canónico, em Lisboa, esteve presente na sessão de abertura proferindo a lição inaugural.
Era um bispo culto e erudito, que além da vasta e importante obra pastoral, deixou vários livros publicados, alguns deles de memórias, decisivos para a reconstrução da história contemporânea da Igreja em Portugal, e onde figuram textos relativos às suas origens familiares e beirãs.

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