O beicinho do meu filho

Inês Teotónio Pereira | ionline 2014.08.16
Quando me zango com o meu filho mais novo ele faz beicinho na esperança de eu me comover; caso eu não me comova e mantenha o sobrolho carregado, ele exibe o seu melhor sorriso na esperança de eu me derreter. Resulta quase sempre e é raro ele precisar de recorrer ao sorriso. O meu filho mais novo tem um ano. A criatura ainda não sabe andar, não fala, nem sequer sabe comer sozinha, mas já é perita em técnicas de simulação e de charme que supostamente requerem muito mais inteligência e esforço mental do que dormir sem chucha. É verdade que ele ainda não me engana redondamente e que todas as vezes que me comovi ou me derreti com o seu beicinho ou sorriso - 97% das vezes, mais ou menos - cedi perfeitamente consciente da minha cedência. E é assim, de cedência em cedência, que a criança vai ficando cada dia mais mimada, mais manipuladora e, claro, insuportavelmente encantadora. Conscientemente mimada. O meu filho percebeu ao fim de 12 meses de existência que a sua vida se pode tornar bastante mais agradável se dominar as referidas técnicas de manipulação. Ele sabe enganar-me e sabe que eu me derreto com as estratégias de engano. Este simples episódio doméstico revela duas evidências: a primeira é que nós pais somos presas fáceis, a segunda é que os nossos filhos são uns manipuladores impiedosos. O pior é que se isto é assim com um ano - repito: ele ainda não sabe falar nem andar - como será quando ele tiver 16?
Nós pais vivemos enganados e somos diariamente enganados pelos nossos filhos. Aldrabados, mesmo. Vivemos enganados porque achamos que os conhecemos melhor que a palma da nossa mão e controlamos na perfeição as suas técnicas de manipulação. Achamos que somos os verdadeiros donos disto tudo e que não há ninguém que nos consiga passar a perna. Estamos convencidos que em nossa casa só nós é que passamos a perna aos nossos filhos, nunca o contrário. Acreditamos ingenuamente que o controlo emocional é nosso. Já a criançada, que desde tenra idade domina as técnicas mais desprezíveis de manipulação, vai-nos dando corda para nos enforcarmos ao mesmo tempo que vai conquistando a nossa cega e inabalável confiança. Eles tornam-se geniais na chantagem emocional, peritos em carregar-nos com o peso dos remorsos e exímios simuladores de personalidades diversas. Nós, pais, vamos facilmente nas cantigas. Até porque gostamos da melodia. E a cantiga dos nossos filhos é como os cigarros: começa por ser só um por semana mas quando damos por nós já estamos a comprar maços diariamente. A cantiga dos filhos também começa apenas com um beicinho mas acaba com a cantiga do bandido segundo a qual a professora é que é má e não sabe ensinar e os amigos é que são os irresponsáveis. E nós pais acreditamos em tudo. Queremos e gostamos de acreditar. Não vivemos sem o beicinho enganador e gostamos de ser convencidos pelos nossos filhos de que eles são bons rebeldes, gente de bem e palavra, valentes e virtuosos, crianças sensíveis e incapazes de matar uma mosca por mal. Gostamos que eles nos convençam que são aquilo que queremos que sejam. E eles sabem qual é o guião. Desde que nasceram que sabem qual é guião. E sabem perfeitamente que se o cumprirem à risca melhor para eles e para nós. Mas não há nada mais maravilhoso que este engano. A nossa ingenuidade, a nossa inabalável confiança, a nossa fé nos metralhas dos nossos filhos é aquilo que nos torna melhores pessoas e a eles melhores filhos. Para nós os defeitos dos nossos filhos são meros acidentes perfeitamente insignificantes e todos eles justificáveis. Aliás, nem são bem defeitos, são características. É por pensarem assim que os pais são as melhores pessoas do mundo: os pais acreditam sempre nos filhos. Sempre. Somos pessoas de uma fé inabalável nas crias. Mesmo que saibamos que estamos completamente enganados. É que estar enganado neste caso é um pormenor: o que verdadeiramente interessa é o beicinho. A maravilha do beicinho e do sorriso encantador. O resto são detalhes mesquinhos.

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