Uma agitação mental


No fundo, a guerra que se prepara será a guerra entre estes dois Diabos: o Diabo da Esquerda, talvez Ricardo Salgado, e o Diabo da Direita, inevitavelmente Sócrates.


De Évora, Sócrates disse ao jornal "Expresso" que "se sentia mais livre do que nunca". Isto à primeira vista parece incompreensível, quando ele está detido numa cadeia de alta segurança. Mas Sócrates vai explicando que "só deixa de ser livre quem perde a dignidade" e que, aparentemente, ele não perdeu a dele.
Alguém lhe terá de explicar que não foi preso pela PIDE, a KGB ou a STASI por razões políticas. E que, pelo contrário, a Judiciária e um tribunal civil independente o puseram em Évora por suspeitas de que ele é um criminoso. Cá fora não o espera a apoteose de um herói por uma causa qualquer. Se nada se provar contra ele, encontrará um grupo de amigos, com certeza um pouco embaraçados, que lamentarão o equívoco como lamentam hoje um erro da justiça.
Infelizmente, no meio da excitação que o episódio provocou (e também a condenação de Duarte Lima, a falência do BES e os vistos "Gold"), algumas pessoas acabaram por se convencer da morte iminente do regime. Rui Rio, por exemplo, um homem com reputação de inteligência e bom senso, anunciou agora que "em 1974 caiu um regime"; que "o actual regime já fez 40 anos" e "não é eterno"; e, sobretudo, que "se todos os regimes tiveram um fim, este também terá". Não sei se Rui Rio se tornou um presidencialista e suspira pelo dia em que voltará de Colombey, perante o regozijo do povo. Mas sei que existe um presidente da República, um exército que lhe obedece, um governo e as suas polícias, juízes nos tribunais e meia dúzia de partidos com dezenas de milhares de militantes. Não reconheço neste arranjo das coisas uma situação "pré-revolucionária".
O que reconheço é a deturpação das legislativas de Outubro (ou de Setembro). Sócrates foi promovido a Diabo pela direita, como fautor da crise e da "austeridade" e, desde a semana passada, como detido 44 da cadeia de Évora. E, por outro lado, a esquerda anda a promover desde 2011 o grande Diabo colectivo da finança internacional e nacional, os patrões, os fanáticos do "neo-liberalismo" e até, indiscriminadamente, "os ricos". No fundo, a guerra que se prepara será a guerra entre estes dois Diabos: o Diabo da Esquerda, talvez Ricardo Salgado, e o Diabo da Direita, inevitavelmente Sócrates. Lamento o esforço de Passos Coelho e de António Costa. Mas gostava de lhes lembrar que, mal ou bem, a mesma gente, nomeada por eles, se irá sentar na Assembleia da República. 

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