Fundamentalismo ambientalista, seguidismo bruxelense

GRAÇA FRANCO
RR online 2015.01.15

Novas restrições no trânsito de Lisboa são exemplares de três estilos cada vez mais queridos aos políticos portugueses: o fundamentalismo ambientalista, o novo-riquismo legislativo e o seguidismo bruxelense

Confesso-me culpada do crime ambiental de ter, como único transporte familiar, um velho monovolume anterior a 2000. Só não revelarei a data exacta da matrícula por questões de pudor e porque o próprio tem direito à reserva da sua privacidade-automóvel. O fiel companheiro deixará de poder trazer-me em horário útil ao local de trabalho. E foi, já hoje, substituído por um táxi, tão ou mais velho e poluente quanto ele, mas que o dr. António Costa fez o obséquio de exceptuar, até 2017, da proibição de circulação na baixa. 

Feita esta declaração de interesses, passo a analisar (com a objectividade expectável) a medida imposta pela autarca de Lisboa e que reputo de exemplar dos três estilos cada vez mais queridos aos políticos portugueses: o fundamentalismo ambientalista, o novo-riquismo legislativo e o seguidismo bruxelense. 

O chorrilho de medidas recentes que se inserem nos três estilos não tem conta, mas esta é particularmente interessante porque numa única medida se integram os três vícios.
 
1 - Fundamentalismo ambientalista. As boas razões servem para justificar todas as más medidas, buscando uma espécie de unanimismo acéfalo. Dos sacos de plástico do dr. Moreira da Silva, que afinal servirão sobretudo para financiar uma parte da redução do IRS, a quase tudo o mais. Esta nova medida não foge à regra. 

Francisco Ferreira, especialista em ambiente, garantiu esta quinta-feira à Renascençaque há estudos ambientais que comprovam que os cidadãos de Lisboa residentes nas zonas de maior poluição vêem a respectiva esperança de vida reduzida "em cerca de seis meses". Eu, que trabalho na zona 1 e resido na zona 2, estremeço. 

Seis meses? Fazem-me falta. Não posso abdicar deles. Espero aliás que o factor de sustentabilidade, utilizado para o cálculo da minha reforma, passe também a ser corrigido em função da área de trabalho e residência. Ou seja, que os estudos da Quercus (inspiradores da Câmara de Lisboa) possam ser graciosamente partilhados com a equipa governativa de Mota Soares. 

Querendo viver mais, vejo-me como a generalidade dos afectados, a braços com um novo dilema: como assegurar que os seis meses ganhos a respirar um ar menos poluído não se esgotarão totalmente na maçadoria das viagens de e para o trabalho. Em plena fúria charlinista veem-me à memória o velho slogan de Maio de 68 contra uma sociedade em que a vida se resuma a "dodot, metro, bolot" (cama/metro/trabalho). 

Ouvido na reportagem de Teresa Abecasis, um jovem morador em Vialonga preparava-se para, a partir desta semana, passar a gastar mais de duas horas em transportes para chegar a casa. Contas feitas dão quase quatro horas dia gastas em trajectos. 

Pensaram-se alternativas para que a vida do jovem Rui não se vá nesse vaivém? Preveniram-se locais de abandono das viaturas à entrada da cidade e redes efectivas de transportes públicos na sua sequência? Não. 

A câmara, que, embora gostasse, não gere ainda os transportes públicos da cidade, fica-se pela condescendência de os exceptuar do cumprimento das regras ambientais. No mais, o cidadão que se desembrulhe. O cidadão, porque o Estado com as respectivas frotas de polícias, bombeiros, militares, etc., evidentemente não poderá cumprir com as restrições e mais uma vez será exceptuado (senão a loucura ainda seria maior). 

Devia, pelo contrário, ser o Estado a dar o exemplo? Devia. Mas não pode. E não pode porquê? Porque é pobre. Mas essa não é desculpa atendível para nenhum cidadão. 

2 - Novo-riquismo legislativo. Trata-se de uma espécie de compulsão legislativa que se traduz em produzir legislação nacional sempre na linha da frente do que quer que seja. Um gosto muito português. 

A Europa avança com a união bancária e isso traz novas regras de resolução para os bancos, já a partir de 2015 ou 2016? Pois, diligentemente e ainda em 2012, Portugal aplica-se a transcrever a legislação respectiva. Não fora esse ímpeto e talvez o caso BES já não pudesse ser resolvido, em primeira-mão, testando uma legislação única em fase pré-embrionária e verdadeiramente "piloto". 

Somos os primeiros a ter a mais moderna legislação em tudo, o que, aliado ao fundamentalismo ambiental, faz com que as nossas empresas frequentemente sejam sujeitas a regras (para já não falar das taxas e taxinhas…) que a custo as nossas parceiras resistentemente vão adoptando só vários anos depois e as nossas principais concorrentes muito provavelmente nunca adoptarão. 

As novas regras pesarão como sempre e sobretudo aos micronegócios, aos jovens profissionais liberais em início de carreira, etc. 

3 - Seguidismo bruxelense. É uma doença mais funda e de que o novo-riquismo legislativo é apenas um sintoma. Trata-se de considerar que o que se diz em Bruxelas não se discute e é de mau tom reclamar a mais leve adaptação alegando dificuldades conjunturais ou o nosso estádio de desenvolvimento. 

Em matéria ambiental, como qualquer outra, faz-se cerimónia em "negociar", deixa-se a negociação para os políticos habituados a compras de feira. Os nossos políticos agem, sobretudo em Bruxelas, como gente que obviamente não regateia. Coisa que não se aplica apenas ao pagamento do resgate. 

Medida a medida nunca perguntamos quem, entre os nossos parceiros, sairá beneficiado "com o negócio", sobretudo quando nos parece óbvio que nós sairemos prejudicados na sua aplicação. 

E queremos sobretudo "antecipar" o cumprimento das metas ( ambientais ou outras) por mais ridículas ou injustas que as ditas nos pareçam. 

Temos um problema de endividamento grave das famílias, excesso consumista e défice externo endémico contra o qual vociferam os nossos credores reclamando austeridade em dose cavalar? Apliquemo-la, sem pestanejar. 

Temos um milhão de portugueses com automóveis a cair da tripeça, muitos deles híper-endividados, em empregos precários e escassos e com despesas muito mais prioritárias do que a troca de automóveis? Façamos-lhe a vida impossível, incentivemos que se endividem ainda mais para trocar de carro que alegremente importaremos de alguns dos nossos mais críticos credores para alegria da respectiva indústria. 

Sendo o ar um bem comum fica uma última nota. Alguém acredita que as pessoas que circulam em velhos automóveis o fazem porque querem? 

Não despertaríamos todos mais para o problema ambiental se a cada vez que soassem os alarmes ambientais o trânsito fosse proibido, em dias alternados, às matrículas par ou ímpar? Como aconteceu em Paris em Março de 2014. 

Suspeito que aumentaria o lóbi contra medidas folclóricas e pela busca de soluções de fundo. Seria uma maçada pontual com a vantagem que afectaria todos. Das bombas dos residentes do Chiado às carcaças dos subúrbios.

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