A guerra de Putin


19/02/2015 - 18:40

Valdimir Putin continua a seguir, desde o início do conflito, a mesma linha: fazer da Ucrânia um país inviável e ingovernável.



O acordo de cessar-fogo ainda não parou a guerra. Os rebeldes pró-russos ganham posições de importância estratégica. Após a tomada de Debaltseve, vital para ligar Donetsk a Lugansk, bombardeavam ontem a cidade de Mariupol, cuja conquista que lhes daria o acesso terrestre à Crimeia. A curto prazo, a Rússia parece querer "congelar" o conflito, consolidando uma importante área separatista dentro da Ucrânia. Mas permanece sempre o risco de escalada.
A queda de Debaltseve, mais do que um revés militar, foi um desastre político para o Presidente ucraniano, Petro Poroshenko, que viu a sua posição enfraquecida. Os acordos de Minsk, assinados há uma semana por Angela Merkel, François Hollande, Vladimir Putin e Poroshenko, eram favoráveis a Moscovo e aos rebeldes. Numa posição de fraqueza, Poroshenko teve de se render à realidade. A continuação dos combates ameaçava colocá-lo numa posição ainda mais débil e alargar a área "pró-russa". Terá sido também esta a razão das concessões de Merkel e Hollande.
Para Poroshenko, o acordo tinha pelo menos uma vantagem: dar-lhe tempo fazer algumas reformas e obter financiamentos ocidentais. Kiev tem os cofres vazios. Um prolongamento da guerra dificultaria estes objectivos. Por outro lado, as violações da trégua aumentarão a contestação em Kiev, prevêem analistas. O primeiro-ministro, Arseni Iatseniuk, sempre assumiu posições nacionalistas mais duras e pode ser tentado a desestabilizar Poroshenko. A paralisação do poder em Kiev parece ser um dos objectivos de Moscovo.
Kiev concluiu que não pode vencer em termos militares. Merkel e Hollande fizeram concessões importantes a Putin para obter uma trégua dada a inferioridade militar de Kiev. É a eficácia da diplomacia que agora é posta em causa. Mas não estará à mão outro instrumento.
A hipótese de fornecimento de armas ao exército ucraniano pelos Estados Unidos é considerada longínqua e contraproducente. É um terreno onde, até por razões geográficas, a Rússia disporia de vantagem. De resto, dividiria os aliados ocidentais. As sanções, que ferem a economia, continuam a ser a retaliação mais viável. Mas os efeitos são demorados.
Objectivos de Moscovo
Vladimir Putin não mudou os seus objectivos na Ucrânia. Tem seguido a mesma linha desde o início do conflito: à falta de poder dominar a Ucrânia, visa transformá-la num país inviável e ingovernável. Ora usa a pressão diplomática, ora a carta militar.
A consolidação de uma "entidade para-estatal" pró-russa permite-lhe manter Kiev refém. A "reforma constitucional" acordada em Minsk evita o termo "federalização", tabu em Kiev. Mas a "descentralização" implicará que as "repúblicas" pró-russas tenham vastas competências internas, podendo desenvolver uma cooperação transfronteiriça  com a Rússia e tentando obter uma espécie de veto sobre a política externa de Kiev.
"O objectivo de Vladimir Putin já não é apenas pesar sobre a política externa da Ucrânia — a não adesão à NATO e à UE — pois os ocidentais já lhe deram suficientes garantias neste ponto", escreve o analista francês Daniel Vernet. "É também impedir o desenvolvimento de uma Ucrânia politicamente democrática e economicamente moderna que poderia servir de contra-modelo ao autoritarismo retrógrado do seu regime." Um "conflito congelado" bloqueará todos os progressos da Ucrânia em direcção a uma ancoragem no Ocidente, sublinha o analista britânico Ian Bond.
Uma obsessão histórica
Para Moscovo, a Ucrânia e a Bielorrússia são "estados-tampões" necessários à sua segurança e imprescindíveis para o seu projecto de uma União Euro-Asiática, a sua alternativa à UE. Putin vê nesta união o meio de restabelecer a grandeza e o poderio da Rússia.
Moscovo tem meios para exercer pressão noutros pontos do antigo império soviético, como a Moldávia e os países do Cáucaso. Mais arriscada seria a desestabilização do Países Bálticos, membros da NATO — mas há o precedente dos ciberataques. A "linha vermelha" está no Báltico, não na Ucrânia.
O Kremlin não descura também a possibilidades de outras "alianças", inclusive dentro da UE: é o caso da Hungria. Está a elevar a sua cooperação nos Balcãs, em particular com a Sérvia, com quem fez recentemente exercícios militares. E segue com extrema atenção o desfecho da crise grega que pode mudar a relação de forças no Mediterrâneo.
Moscovo nunca desistiu de pesar na política europeia. Neste sentido, a crise ucraniana teve um efeito perverso para os seus interesses ao danificar as vitais relações com Berlim. Um outro efeito foi a complicar a sua política de divisão dos europeus e, sobretudo, entre a Europa e os EUA — o que para Moscovo é um objectivo estratégico.
A Rússia de Putin é uma potência em declínio. Tem no entanto uma grande margem de manobra a curto e médio prazo. Putin exacerbou uma velha constante da História russa — a "obsessão do cerco". Por isso abriu una espécie de "guerra" com o Ocidente.
Enfim, a evolução da Ucrânia parece exigir um horizonte largo, de anos, para se decantar. É o que dizem aqueles que apostam na "paciência estratégica".

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