O exemplo CR7

Inês Teotónio Pereira
ionline 2015.02.21

Os meus filhos, tal como o Cristiano Ronaldo, andam no futebol. Têm treino três vezes por semana e jogos ao fim-de-semana. Ao contrário do Cristiano Ronaldo, resistem a ir ao treino quando chove, quando está frio ou estão cansados
Cristiano Ronaldo deu uma entrevista a Marcelo Rebelo de Sousa em que explica que a pobreza em que cresceu e o que sofreu não foram empecilhos à sua carreira. Diz ele que as oportunidades se criam e que não há sucesso sem trabalho. Marcelo contrapôs com o facto de Cristiano Ronaldo ser um génio e por isso o seu exemplo não poder ser seguido por todos os que não nasceram geniais. Este comentário do professor resume todo o equívoco português, o equívoco segundo o qual as circunstâncias são determinantes em tudo. Ou seja, a pobreza, o azar e a falta de oportunidades são consideradas fatalidades que condicionam determinantemente o sucesso de cada um. Por isso, dentro desta lógica, são as circunstâncias que devem mudar e não a atitude que se deve ter para as superar. Cristiano Ronaldo não se ficou com o comentário do professor e argumentou que nunca a falta de oportunidades lhe serviu de desculpa e quem se desculpa com elas é porque não ambiciona verdadeiramente ultrapassá-las. Respondeu que todos temos de nos superar e dar o melhor que temos e podemos. Competir com nós próprios é a estratégia certa, diz o futebolista.

Os meus filhos também se queixam das circunstâncias da vida. Apesar de terem uma vida fantástica, de terem nascido numa família alargada e solidária e de nunca lhes ter faltado nada, eles queixam-se. Queixam-se dos professores, do excesso de trabalho, das horas a que se levantam e das horas a que vão para a cama. Queixam-se da piscina que não têm, das viagens que não fazem ou do cão que lhes falta. Há sempre qualquer de fora que condiciona a sua felicidade. Há sempre uma circunstância que os impede de serem mais felizes. Os meus filhos, tal como o Cristiano Ronaldo, também andam no futebol. Têm treino três vezes por semana e jogos ao fim-de-semana. Mas, ao contrário do Cristiano Ronaldo, resistem a ir ao treino cada vez que chove, quando está mais frio, quando têm trabalhos em excesso ou quando estão cansados. Vivem de certa forma desiludidos porque queriam ser génios da bola mas não há olheiro que lhes tenha dado uma olhadela. Por isso esforçam-se q.b. E é neste q.b. adormecido que vivemos todos. O quanto baste, basta. As metas são feitas pelas circunstâncias e não pelas capacidades de cada um.

O país sofre deste mal e vai-se anestesiando na crítica às circunstâncias, ao sistema, à cultura, etc. Encostando-se à teoria de que nada depende de nós mesmos mas sim de uma entidade abstracta, de uma lei que não mudou, de um dinheiro que não chega e de um sistema caduco. E enquanto nada disto mudar ninguém pode mudar. O atira culpas é um desporto nacional mais popular que o próprio futebol. Mas se é assim no país, nas famílias o clima é idêntico. Os alunos não são bons alunos porque têm maus professores e os professores não são melhores professores porque a educação dos alunos é má. Os pais culpam os professores pelo resultado dos filhos, culpam a televisão pela falta de educação dos filhos e culpam a sociedade, o Estado ou a Europa pelo futuro incerto dos filhos. Nada depende verdadeiramente dos próprios filhos e pouco depende deles próprios. Os pais passam a maior parte do seu tempo preocupados com as circunstâncias, com as condições de vida que devem dar aos filhos e com o conforto que lhes devem proporcionar. Sim, é legítimo que assim seja, e é bom que esta seja uma das preocupações cimeiras de qualquer pai ou mãe. Mas esta preocupação anula todas as outras. Anula a exigência de esforço apesar do conforto, a exigência de trabalho apesar das facilidades e a exigência de responsabilidade apesar da falta de autonomia. E também anula tudo isso quando não há conforto ou facilidades.

No país e nas famílias o que interessa não devem ser as metas mas sim o esforço de cada um por dar o seu melhor em todas as circunstâncias. Sejam as condições favoráveis ou desfavoráveis, sejam as oportunidades muitas ou poucas. E este é um bom começo para mudar as próprias circunstâncias. Aliás, é o único começo possível. Cristiano Ronaldo fez exactamente isto quando tinha 12 anos e não tinha um tostão no bolso. E hoje faz o mesmo apesar de adulto e ter mais dinheiro que que o PIB de muito países. O grande exemplo de CR7 não é o seu génio futebolístico, mas sim o percurso que fez apesar das malfadadas circunstâncias.

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