Os amigos dos pobres

Alberto Gonçalves | DN | 2015.02.22

Conheço Gabriel Mithá Ribeiro de textos na imprensa e de pelo menos um livro que o próprio me enviou há anos. Mithá Ribeiro em geral escreve, com acerto e sem a merecida repercussão, sobre o ensino. Nesta semana escreveu no Observador sobre a pobreza. Lembrou a época em que a sua família, regressada de Moçambique, foi pobre. Notou a importância do trabalho e, se bem entendi, da sorte na fuga para a classe média. Lamentou a cultura da dependência. Criticou os que fomentam essa cultura e prosperam à respectiva custa. Por outras palavras, Mithá Ribeiro disse o que disse um humorista acerca de certo fotógrafo: no ângulo certo, pobre rende um dinheirão. Naturalmente, pôs as ditas "redes sociais" a babar ódio durante um dia ou dois.
Uns, mais dados à indignação épica, acham impossível que em 2015 ainda se escrevam coisas do género. Os inclinados para a franqueza chamaram a Mithá Ribeiro "pretinho salazarista". É sem dúvida bonito confirmar que a tolerância da esquerda só persiste em condições ideais, ou seja quando ninguém ousa beliscar a sua imaculada moralidade. Se beliscada, como no remoque do sindicalista Arménio acerca do "escurinho" da troika, até o racismo é uma carta legítima.
Porém, não se presuma que os motivos da fúria são raciais. Ou que, conforme se fingiu, se prendem com a alegada pretensão de Mithá Ribeiro em restringir a discussão aos portadores de experiência na matéria. Nem por sombras. O que verdadeiramente indigna a esquerda é o seu tradicional inimigo: a ascensão social. Para quem ganha a vida através da "ajuda" aos pobres, não há pior do que um pobre que vence na primeira e dispensou a hipocrisia da segunda. Não há pior, em suma, do que um pobre que deixou de o ser - excepto o que, para cúmulo, se atreve a contar a sua história.
O marxismo, clássico ou "moderno", aprecia um mundo arrumadinho e imóvel, onde a pobreza é menos um estado do que uma condição vitalícia. Não se trata apenas de viver a pretexto dos necessitados: trata-se de garantir que estes continuam a necessitar - de abonos, protestos ou discursos "solidários". É por isso que se abomina o descaramento dos "arrivistas", dos "novos-ricos" e até dos recém--remediados ao mesmo tempo que se dedicam lengalengas demagógicas aos velhos e, conquista suprema, aos novos pobres. A miséria alheia assegura o sucesso dos que juram combatê-la mas celebram o seu crescimento, real ou desejado. O episódio do "pretinho salazarista" limitou-se a recordar uma fraude cruel: os amigos dos pobres só gostam deles assim.

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