O Não de Ribeiro e Castro

Baptista Bastos
Jornal de Negócios 26 Junho 2015 
José Ribeiro e Castro, fundador do CDS, abandonou o partido, "livre como um passarinho", disse, de um "sistema doente." É uma defecção não só importante como significativa. Ele sempre se pautou por um rigor moral e por uma concepção democrata-cristã, que, notoriamente, se antagonizavam com as derivas do CDS, a que tinham aposto o acrónimo PP. Curioso verificar que este acrescento correspondia à abreviatura do nome de Paulo Portas, e fora este quem o propusera.
O CDS-PP de hoje nada tem a ver com o partido de Adriano Moreira, Adelino Amaro da Costa, Anacoreta Correia e outros mais. Conheci Amaro da Costa e chegámos a almoçar na Tasca da Sé, próximo da sede do CDS e de onde, então, eu morava, em Alfama. Ele colaborava na revista Rumo, que eu frequentava como leitor curioso. Com Manuel Magro, querido amigo e camarada exemplar na redacção do Diário Popular, propusemo-lo para colaborador do jornal, o que foi aceite pelo director, Martinho Nobre de Mello. O tempo correu, o jornal foi vendido ao Grupo Quina, e Adelino Amaro da Costa dispensado por "esquerdista." 
Quando do 25 de Abril, e nos anos de brasa, Ruy Castelar convidou-me, a Ribeiro e Castro e uma senhora cujo nome esqueci, para participarmos num debate semanal, de temas da actualidade. A senhora percebeu que não estava à altura do pretendido, e apenas participou numa emissão. Tive, então, oportunidade de conhecer melhor José Ribeiro e Castro. Eu era muito senhor do meu nariz e defendia, por vezes, um pouco assanhado, as minhas ideias e convicções. Não me arrependo de nada. Envolvi-me no turbilhão da minha época e ergui as bandeiras em que acreditava. Ainda creio em um mundo melhor, e que a felicidade é possível entre os homens. Não desisto, apesar de tudo.
Reconheço, hoje, que talvez, por vezes, tivesse sido injusto e truculento. Ribeiro e Castro era mais sereno e calmo, sem deixar de pleitear as causas que achava justas, e que eu execrava com adjectivação agressiva. A verdade é que o programa de Ruy Castelar obteve um grande êxito, pela novidade do conceito e pelas intervenções dos dois contendores.
Já se passaram muitos anos depois de isto acontecer. E nem eu nem José Ribeiro e Castro deixámos de ser o que éramos, sem abjurar, no essencial, do que pensávamos. As coisas são como são e há homens cujas vidas correspondem a impulsos vitais e a convencimentos que se não apagam.
O meu antagonista de há trinta e tantos anos continua na dele e eu na minha. E, creio, ser pelo facto de ele continuar na dele que procedeu, agora, como entendeu dever proceder. O CDS deixou de ser democrata-cristão para ser uma trapalhada de feiras e romarias, com uma dúzia de rapazolas a trepar no que julgam ser a estrutura social, à cata de emprego e de consideração, presenças constantes nas televisões, a balbuciar baboseiras inacreditáveis. 
Claro que o mundo mudou muito, e não foi para melhor. A ascensão de uma mediocridade impante e convencida faz parte da estratégia de poder total estabelecida, depois de estudada cuidadosamente. Ribeiro e Castro é de outro tempo, de um tempo em que as convicções sobrelevavam os interesses individuais, e em que os adversários eram apenas adversários, não inimigos a sanear e a abater.
Na decisão de Ribeiro e Castro não há nenhuma derrota; há, isso sim, o protesto inconformado de quem percebeu que pouco pode fazer contra a traição do tempo e a cedência dos homens.

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