ADSE

Diário Económico 22 Jul 2015 Vital Moreira

1. Há cerca de uma década, provoquei a ira de muita gente ao propor publicamente a extinção da ADSE (o sistema de saúde próprio dos funcionários públicos, criado ainda no Estado Novo) ou, pelo menos, o fim do seu financiamento por via de impostos, devendo ela passar a ser financiada exclusivamente pelos beneficiários.
Os meus argumentos eram sobretudo dois: (i) não faz sentido que, havendo um SNS público universal, o Estado oferecesse paralelamente um sistema de saúde "convencionada" aos seus funcionários; (ii) em qualquer caso, era socialmente iníquo que uma benesse privativa dos funcionários públicos fosse paga em grande parte pelos impostos de toda a gente, que já pagam o SNS. 
A minha "provocação" não encontrou qualquer eco nos decisores públicos e as coisas continuaram a piorar nos anos subsequentes. Em 2011 o sistema gastou mais de 400 milhões de euros, quase metade dos quais saíram do Orçamento do Estado. Todavia, sob pressão do programa de ajustamento de 2011 e a obrigação de reduzir o défice orçamental, o Governo fez elevar as quotas dos beneficiários da ADSE até assegurarem a autossuficiência financeira do sistema, o que se verificou no ano de 2014, com o saldo positivo de mais de 140 milhões de euros. Além disso, o sistema deixou de ser obrigatório, admitindo a saída, sem possibilidade de regresso.
O recente relatório do Tribunal de Contas sobre a ADSE (que pode ser consultado no respetivo site) veio mostrar que para equilibrar as contas do sistema não era necessária uma subida de quotização dos beneficiários para 3,5% da remuneração. E esse excesso ainda seria maior se as regiões autónomas e algumas autarquias locais relapsas pagassem os milhões que devem ao sistema. Resta, porém, saber se o excedente excecional assim criado, após décadas de défices cobertos pelos impostos de todos (no valor de muitas centenas de milhões de euros), não é necessariamente transitório face aos riscos de sustentabilidade que o relatório também identifica, sobretudo pela fuga dos contribuintes com maior remuneração.
2. Entretanto, passou quase despercebida uma observação muito mais importante do referido relatório do Tribunal de Contas, que tem a ver com a razão de ser e o futuro da ADSE.
De facto, o referido relatório considera que, depois de removidas algumas responsabilidades do SNS que ainda estão a cargo da ADSE, esta passa a prosseguir exclusivamente "fins privados, alheios ao Estado", sendo financiada por "fundos privados". Mas, sendo assim, não se compreende que ela continue na esfera pública e a ser gerida pelo Estado, como até agora. Pelo contrário, como eu argumentava já em 2006, o Estado não pode dedicar-se a prosseguir interesses e fins privados, sobretudo quanto todos os recursos são poucos para assegurar as suas incumbências constitucionais, entre as quais se conta o SNS. É também uma questão de igualdade dos cidadãos perante o Estado, não havendo nenhuma razão para este se encarregar de prosseguir os interesses corporativos dos seus próprios trabalhadores.
O solução está obviamente em privatizar o sistema, retirá-lo das contas públicas e entregar a sua gestão aos interessados, em autogestão mutualista ou noutro sistema concertado com os mesmos.

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