Louvado seja Deus

Jaime Nogueira Pinto | Sol | 07/07/2015

  
Louvado seja Deus
Ao mesmo tempo que a fúria iconoclasta dos 'loucos de Deus' do Estado Islâmico se encarniçava em Palmira e noutras cidades do Médio Oriente na destruição de obras de arte e de testemunhos de cultura da Humanidade, o Papa Francisco lançava Laudato Si', a sua encíclica de defesa da Terra, da Natureza.

Sempre que um Papa publica uma encíclica (e já conheci em vida sete papas - Pio XII, João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, S. João Paulo II, Bento XVI e Francisco - e passei por muitas encíclicas), há uma enorme especulação profana à volta do texto pontifício. 
A Igreja Católica Romana é vista como uma instituição conservadora, mas como os católicos são, eleitoral e civicamente, uma força significativa, a tentação de interpretação subjectiva e interessada é grande e comum. Temos visto, ouvido e lido grandes dislates e disparates de jornalistas, opinion makers e políticos, que por alegre e natural ignorância ou por sofisticada má-fé procuram manipular conceitos e princípios para aproximar dos seus mundanos intentos os desígnios papais.
A nova encíclica tem, formalmente, aspectos originais, a começar pela frase que a intitula, Laudato Si', uma evocação tirada do 'Cântico das Criaturas' ou 'Cântico do Irmão Sol' de S. Francisco de Assis, e que aqui aparece, pela primeira vez, não em latim mas em úmbrio, o dialecto em que o escreveu o santo padroeiro do Papa. 
Depois de alicerçar a encíclica nos escritos dos papas seus antecessores, é também interessante e original a forma como Francisco recorre a outras fontes, de dentro e de fora da Igreja, citando profusamente o patriarca ortodoxo: «o amado Patriarca Ecuménico Bartolomeu, com quem partilhamos a esperança da plena comunhão eclesial». 
A primeira preocupação do Papa é fundamentar todas as recomendações, toda a ecologia política, económica e social em Deus omnipotente e criador e nos princípios e dogmas da Sua Igreja, mas a mensagem é para todos: o crescimento económico e a exploração da Terra e dos recursos da biosfera não pode ser um fim em si.
Simone Morandini, professor de Teologia da Criação na Faculdade de Teologia de Triveneto, filia o texto na «grande tradição ético-social católica, conciliando radicalidade sócio-ambiental e forte intensidade espiritual». Na verdade, desde a industrialização que a Igreja Católica tem uma atitude crítica perante os maximalismos liberais, procurando chamar a atenção para as questões sociais, da equidade e da justiça, combatendo a euforia ilimitada do desenvolvimento e lutando para que a técnica, a economia e a riqueza sejam postas ao serviço dos homens e do bem comum e não o contrário. É nesta linha que o Papa perfilha as preocupações ecológicas da Europa frente aos EUA e à China, mais laxistas na matéria; mas há que ter o cuidado de não extrair daqui uma receita alarmista, malthusiana, ao modo do Relatório do Clube de Roma de há 50 anos. 
A Ciência e a Tecnologia, se disciplinadas e postas ao serviço da 'casa comum', poderão encontrar soluções, mas não serão nunca elas - e muito menos os instintos dos predadores da riqueza - a ditar os fins. A capacidade humana de transformar a realidade transvia-se sempre que se dissocia da dádiva divina de todas as coisas. É esta a mensagem de Francisco.

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