A vingança de um judeu errante

P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Observador 1/8/2015

Um judeu britânico, nascido austríaco, ‘vingou-se’ dos cristãos que, em 1938, o salvaram de uma morte certa pelos nazis, criando um fundo para o resgate dos cristãos perseguidos no Médio Oriente
Arthur George Weidenfeld é um jovem britânico que, no próximo dia 13 de Setembro, cumpre 96 primaveras. Nasceu austríaco e tinha 18 anos quando, em 1938, o exército nazi ocupou o seu país. Sendo judeu, o mais certo é que tivesse sido deportado para um dos numerosos campos de concentração onde, com toda a probabilidade, encontraria a morte, como tantos outros judeus e não só. Mas teve a sorte ou, melhor dizendo, a graça de ter quem o libertasse desse mais do que provável destino. Com efeito, foi socorrido por cristãos, que também providenciaram a sua emigração para a Grã-Bretanha, onde conseguiu residência e trabalho.
Desde então, Weidenfeld, a quem a rainha Isabel II fez par do reino e barão, sente-se em falta para com os que o salvaram, porque entende que lhes deve a sua sobrevivência, seriamente ameaçada depois da anexação da Áustria pelo terceiro Reich. Os anos decorridos desde então – mais de setenta! – não bastaram para esquecer essa dívida de gratidão e, por isso, quis ‘vingar-se’ dos seus benfeitores de 1938, criando um programa que se propõe resgatar os cristãos que são perseguidos nos países do Médio Oriente, sobretudo pelo auto-intitulado Estado Islâmico, responsável pelo assassinato de milhares de seguidores de Cristo. O Weidenfeld Safe Havens Fund propõe-se resgatar aproximadamente dois mil cristãos, na Síria e no Iraque, durante os próximos dois anos.
Apesar da dimensão trágica do referido genocídio, poucas têm sido as vozes que se levantaram para condenar esta implacável perseguição religiosa, que todos os dias ceifa novas vidas. O Papa Francisco parece ser a excepção que confirma a regra, pois tem-se referido com frequência a este novo holocausto. Mas os seus alertas ainda não tiveram o condão de despertar a comunidade internacional, que parece mais interessada em resolver a crise financeira do que defender os milhares de cristãos que estão em perigo iminente de vida na conturbada região do próximo Oriente, no Paquistão – onde a católica Ásia Bibi, condenada à morte por blasfémia, continua presa – na Nigéria, no Sudão, etc.
Ainda a 9 de Julho passado, o Papa confessou a dor que lhe vai na alma: “é consternados que assistimos à perseguição de cristãos no próximo Oriente e noutras partes do mundo”, onde “tantos dos nossos irmãos e irmãs são perseguidos, torturados e mortos pela sua fé em Jesus”, nomeadamente no Iraque e na Síria, onde não só alguns cristãos são decapitados, por razão da sua fé, como os sobreviventes são forçados a converterem-se ao islamismo. Não obstante a insistência dos apelos, as organizações políticas e humanitárias optaram até à data, ao que parece, por um cúmplice alheamento.
Graças a Deus, esse não foi o caso do lorde Weidenfeld, que em boa hora tomou a iniciativa de lançar esta operação de resgate de cristãos perseguidos na Terra Santa e em toda a região. Segundo informação veiculada pela Lugar-Tenência de Portugal da Ordem do Santo Sepulcro, uma organização pontifícia mundial ao serviço dos Lugares Santos e das respectivas comunidades cristãs, este projecto, apesar de só ter algumas semanas de vida, já expatriou, para a Polónia, cento e cinquenta cristãos sírios.
Não obstante a natureza humanitária da operação, surgiram algumas críticas ao carácter confessional do apoio que este fundo presta. Arthur George Weidenfeld explicou, no entanto, que a iniciativa nasceu da dívida contraída por ele e por muitos outros jovens judeus, integrados nos Kindertransports, para com as confissões cristãs que os salvaram, levando-os para Inglaterra.
Há quem diga que os judeus são muito ‘vingativos’ e materialistas e, se assim for, o promotor desta iniciativa não é excepção. Contudo, a sua ‘vingança’ é muito especial, porque é expressão da sua gratidão e totalmente desinteressada. Uma atitude que ele quereria ver partilhada por todos os membros do seu povo: “nós, os judeus, devemos também ser gratos e fazer alguma coisa pelos cristãos em vias de extinção”.
No entanto, o barão Weidenfeld não tem razão quando afirma que, como não pode salvar o mundo todo, contenta-se com ajudar alguns cristãos. A verdade é que, ao contrário do que afirma, quem salva um seu irmão, seja ou não cristão, salva-se a si mesmo e salva o mundo também.

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