Noventa e cinco já foi há vinte anos

JOÃO TABORDA DA GAMA | DN 20150924

Era por estes dias, setembro de 1995, e também se estava em campanha eleitoral. A cidade enfeitada de corações. Era a paixão de Guterres pela educação, numa construção eficaz do marketing político brasileiro, cavalgando em cima de um setor deixado esfrangalhado aos olhos das famílias na segunda metade do cavaquismo (o que o guterrismo fez à educação são contas de outro artigo). Em frente a Guterres estava Fernando Nogueira, um homem fundamental nas maiorias e no sistema de Cavaco, mas sem qualquer hipótese de se içar a São Bento dado aquele contexto, e mesmo sem perfil para ator principal dado qualquer contexto. Tudo isto convinha a Cavaco, que só olhava para Belém e a quem até ajudava uma fraca figura laranja nas urnas a 1 de outubro. Passaria dez anos numa das mais pacientes e estratégica esperas da nossa política.
A Nova Maioria crescia. Bastava sorrir e acenar. Era tudo fácil e tudo corria bem. A imprensa tinha virado, depois de um infame e prolongado massacre a Guterres, o "picareta-falante", como era chamado pela inteligência escrevente. Guterres tinha estado três anos à frente do PS antes de chegar a primeiro-ministro (e depois de fazer cair Sampaio), uma eternidade quando comparado com um ano e três meses de Passos, ou os meteóricos cinco meses de Sócrates. Durão Barroso também iria estar três anos como líder da oposição e ser sujeito a idêntico massacre e, ao contrário de Guterres, sem nunca ter gozado estado de graça.
Mas em setembro de 1995 eram tudo rosas e corações para o PS - e o PSD colhia os espinhos, conseguiu até perder uma votação no Parlamento onde tinha maioria absoluta, por absentismo e desnorte. Guterres enganava-se no PIB, nove vezes três, o PSD explorava o assunto, mas já ninguém queria saber. Valentim Loureiro enganava-se, berrava por Gu--te-rres em vez de Gon-dó-mar, Gon-dó-mar, Gon-dó-mar. Foi uma campanha alegre.
Onde o PS tinha em 1995 uma avenida aberta para chegar ao poder, passados vinte anos tem uma azinhaga. À direita, a direita está unida, simbiótica, harmónica: o CDS segura lugares e resiste a uma eventual e temida pulverização, o PSD segura o CDS no final do governo, na campanha e no pós-eleições; a coligação permite uma semântica nova - não é o PSD, nem o CDS é a PAF, ou o PAF como muita gente diz, talvez pensando que é P de partido. À esquerda há agora o bloco pai e os blocos filhos, com tempo livre para avançar e despidos para agir, com uma mensagem em cento e quarenta caracteres. Esta esquerda da esquerda finge que pisca o olho ao PS para não espantar o eleitor utilitário e até se anuncia livre para governar, mas continua a dizer Reagan Go Home, ou seja, Portugal fora da NATO, americanos fora das Lages e qualquer dia McDonalds fora do Rossio.
Ao contrário do que aconteceu em 1995, o Partido Socialista está muito pouco unido: o fratricídio com Seguro deixou marcas mais profundas do que o esperado, como se vê no powerplay da angélica Maria pra Belém. Há vinte anos, o partido estava menos partido: o sampaismo estava tranquilo pois preparava-se para tomar Belém, o soarismo diluído. Mas sobretudo havia um jejum de dez anos sem poder que acertava a marcha e unia os corações.
Este memorialismo foi despoletado (dizem que se deve dizer espoletado, mas recuso-me) por estarem mesmo a fazer vinte anos que entrei na faculdade, e por terem sido as primeiras eleições em que votei, e por ter hoje voltado àquela faculdade para dar uma conferência, numa altura em que estamos em campanha eleitoral. Onde antes se discutiam paixões e se afixavam corações, hoje disputam-se prestações sociais e afixam-se gráficos. Não é melhor, não é pior - como diz um dos meus filhos, que se calhar já percebeu que as coisas mudam sempre que avançam, "é inferente".

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