Nunca acontecerá

MIGUEL ESTEVES CARDOSO Público 20/01/2016

Preocuparmo-nos é sempre um erro. Estamos já ocupados pela vida que nos anima.

A palavra "preocupação" avisa-nos logo que é má ideia. Quando morrermos 
ocuparemos um caixão que será enterrado ou incendiado. Pensarmos nessa morte antes de morrermos (ou antes de morrerem as pessoas que amamos) é uma pre-ocupação. Como é má desaparece o hífen: é preocupação pura e não faz sentido.
Para mostrar o desperdício do tempo valioso da vida que é preocuparmo-nos com a morte basta chamar a atenção para a redundância tanto do adjectivo "valioso" como do substantivo "vida".
O tempo só é valioso e desperdiçável para quem está vivo.
Imaginemos o contraponto positivo. Alugámos provisoriamente uma casa que nos caiu no goto. Pagámos e esperamos o dia de nos instalarmos. Essa fantasia, enquanto não nos mudamos para lá, é uma pre-ocupação positiva. Em vez de pensarmos no pior que pode acontecer imaginamos a maravilha que será morar naquele lugar. Essa, sim, é uma preocupação que vale a pena de imaginar sem saber, ao certo, o que vai acontecer.
A minha mãe maldisse o tempo - décadas - que perdeu a sofrer o medo do que nunca chegou a aconteceu. Citava sempre o conselho cockney dirigido a estranhos com cara de caso: "Don't worry, love, it may never happen".
Preocuparmo-nos é sempre um erro. Estamos já ocupados pela vida que nos anima. Já estamos preocupados. Reocuparmo-nos com medos de morrer, por muito certinho que seja, é uma perda de vida.
Aquilo que nos resta é viver. Foi para isso - e para isso só - que fomos feitos.

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