Educação pública e privada

Dantas Rodrigues | DN 20160508

O Ministério da Educação fez publicar o despacho normativo que encerra as escolas particulares que têm contratos de associação com o Estado. Isso fará que esses contratos terminem já, no próximo ano lectivo, para turmas em início de ciclo, a saber, turmas dos 5.º, 7.º e 10.º anos escolares.

A publicação do mencionado despacho foi feita sem prévia audiência dos interessados, ou seja, dos estabelecimentos de ensino privados e das associações de pais, os quais, em ambos os casos, directa e imediatamente, se sentem profundamente afectados, e que, em consequência, têm o legítimo direito a ser ouvidos e de apresentar sugestões. A razão por que não se ouviu os interessados, diz o despacho, teve em vista a "salvaguarda dos interesses dos alunos, das famílias e do pessoal docente". Que nobreza de carácter! Que magnanimidade! Felizes os povos que têm ministérios que zelam afanosamente pelos seus interesses e os protegem do ingrato esforço de pensar.
Afora esses felizardos, restam agora os que dispensam quem os salvaguarda de pensar e que sabem perfeitamente que a escolha de uma escola constitui sempre uma decisão muito difícil e que obriga a uma grande ponderação por parte dos pais. E isto porque é natural que pretendam que os seus filhos se desenvolvam com disciplina, valores e conhecimentos, e que o estabelecimento de ensino por que optam lhes ofereça segurança e vigilância permanente. Para isso os pais fazem sacrifícios, por vezes bem grandes, para conciliar os seus orçamentos com uma boa instrução e os interesses da própria família.
E desenganem-se, desde já, aqueles que pensam que estou aqui a defender o ensino privado. Não, não estou a defendê-lo. Porém, e em nome da mais elementar honestidade intelectual, há que reconhecer que a constante litigância que vem minando a escola pública só tem contribuído para destruir a confiança das famílias no desempenho educativo. Não é possível haver sucesso quando os programas são desinteressantes, dados à pressa e o corpo docente varia anualmente, não se atualiza e resiste a ser avaliado. Depois vêm os rankings a posicionar a escola pública no vermelho, tendo sempre, salvo raríssimas excepções, decepcionantes resultados nos exames nacionais. Aliás, não é por acaso que nenhum político põe os filhos a estudar na escola pública, a qual, cúmulo da hipocrisia, todos juram defender em nome do chamado "Estado social".
Fazendo um pequeno exercício de memória, importará referir que a reforma da educação dos primeiros anos da década de 1980 assentou num projecto de oferta pública de ensino que possibilitava a todos os alunos a frequência de escolas particulares que tivessem contrato de associação quando, na proximidade das suas residências, esses ditos alunos não pudessem dispor de oferta pública. Não se pense que, com tamanha oferta, o Estado estava a ser generoso com eles ou com os seus pais. Não! O que o Estado fez foi atribuir financiamentos por turma e, depois, limitar-se a fiscalizar a qualidade do ensino ministrado, poupando desse modo milhões em infra-estruturas e em salários a professores, administrativos e vigilantes. No fundo, o velho hábito português de atirar dinheiro para cima dos problemas que dão trabalho ou que não é capaz de resolver.
Grande parte das escolas com contrato de associação pertencem a instituições religiosas, as quais, mercê de uma gestão cuidadosa, passaram a oferecer aos alunos que as frequentam actividades extracurriculares gratuitas, como sejam práticas desportivas, cursos de línguas estrangeiras não curriculares, lições de aprendizagem e de desenvolvimento artístico, para além de apoio ou reforço lectivo a alunos que dele necessitam. Dito de outro modo, e por mais que tal desagrade ao delicado ouvido médio dos donos desta democracia toda, o principal objectivo dessas escolas é formar bem os seus alunos, com base num processo educativo que preserve os nossos valores.
Em escassos seis meses, a equipa do ministro Tiago Brandão Rodrigues conseguiu desestabilizar o modelo educativo vigente, eliminando, em pleno decurso do segundo período letivo, as provas finais dos 4.º e 6.º anos e substituindo as mesmas por provas de aferição nos 2.º, 5.º e 8.º anos, sem qualquer debate de ideias e no maior dos silêncios, para, repito, "salvaguarda dos interesses dos alunos, das famílias e do pessoal docente".

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