Inimigo da Escola Pública

Alexandre Homem Cristo
Observador 9/5/2016

O ministro da Educação está a quebrar consensos que sucessivos ministros estabeleceram, nos últimos 15 anos, em termos de rejeição da agenda sindical como motor de desenvolvimento da educação.

Mário Nogueira desprezou sempre os governantes que assumiram a tutela ministerial da educação. Até hoje. É, aliás, o próprio quem o confirma, no seu livro (O Futuro da Escola Pública, Nova Vega, 2014), onde não faz a coisa por menos: acusa os vários ex-ministros de, movidos pela ignorância ou por interesses, terem “prejudicado a plena afirmação da Escola Pública” (p. 9) na ânsia de deixar os seus “estragos feitos na educação” e a sua “nódoa” no sistema educativo (p. 29). De resto, para o sindicalista, a raiz do problema é comum a todos esses ex-ministros: eles prejudicaram o desenvolvimento do sistema educativo porque dispensaram os consensos previamente determinados pelo sector – isto é, concretamente, pela Fenprof que o próprio dirige. Ou seja, clarificando a sua ideia, para Mário Nogueira só é bom ministro da Educação aquele que não pensa e que se limita a “ouvir, respeitar e concretizar os consensos do sector sem os preconceitos que lhe são habituais” (p. 54).
Durante anos e anos, esta visão deturpada sobre a boa governação da educação foi travada e circunscrita à sua marginalidade. Com Nuno Crato, Isabel Alçada, Maria de Lurdes Rodrigues, David Justino, Augusto Santos Silva e outros sentados na cadeira ministerial da avenida 5 de Outubro, a porta manteve-se fechada para Mário Nogueira: sim às negociações, mas não à afirmação da agenda sindical sobre o que era realmente prioritário para o desenvolvimento do sistema educativo. Mas, em 2016, essa porta foi aberta por Tiago Brandão Rodrigues. Será, portanto, esse o seu legado enquanto ministro da Educação: ele não está apenas a reverter medidas de Nuno Crato, está fundamentalmente a quebrar os consensos políticos que sucessivos ministros da educação (do PSD, do PS e independentes) estabeleceram, nos últimos 15 anos, em termos de rejeição da agenda sindical como motor de desenvolvimento do sistema educativo.
Essa opção não constitui um pormenor sem importância. Na verdade, nada é mais relevante para a condução das políticas públicas de educação. Recorde-se que foram esses últimos 15 anos que aproximaram o sistema educativo português dos padrões europeus e da OCDE. Que, nas avaliações internacionais como as do PISA, os desempenhos dos alunos melhoraram consistentemente. Que se reduziu drasticamente a taxa de abandono escolar precoce. Que se elevou a exigência a vários níveis do sistema educativo, com agregações de escolas, com mais informação estatística sobre as escolas, com maior responsabilização dos dirigentes escolares e com melhor avaliação dos professores. E, claro, que todas as medidas que produziram esses bons resultados foram implementadas contra a Fenprof e contra Mário Nogueira, que se opuseram a cada mudança, a cada estatística, a cada opção política. O que melhorou na educação em Portugal não foi graças à Fenprof e a Mário Nogueira; foi apesar da Fenprof e apesar de Mário Nogueira.
É isto que não se pode perder de vista, num momento em que, pela primeira vez desde que há memória, um ministro da educação tem sido recebido com aplausos, em vez de com apupos, pelos representantes sindicais – e até aceita ser por eles avaliado trimestralmente. Aqui não há meio-termo: dar a mão à Fenprof equivale abraçar o seu projecto para o sistema educativo, isto é devolver-nos a 1976, a um sistema educativo fechado sobre si próprio, estatizante e centralizado, pouco exigente, construído por passagens administrativas, sem avaliação ou informação sobre os desempenhos dos alunos, das escolas, dos professores. Para lá caminhamos? Pelo menos, já não haverá prova de avaliação dos professores. Graças às provas de aferição a meio de ciclos de estudo (2º, 5º e 8º anos), também já não haverá informação estatística sobre alunos e escolas comparável com anos anteriores, dinamitando as bases de dados (cuja informação remete para os 4º e 6º anos). Já não haverá autonomia alguma para os directores contratarem professores. E cada vez menos haverá serviço público prestado por privados.
O país tem, finalmente, um ministro da educação que encaixa nas pretensões de Mário Nogueira – um que se limita a “ouvir, respeitar e concretizar” os consensos fixados pela agenda sindical. E, suprema ironia, enquanto Tiago Brandão Rodrigues arrasa o trabalho que, em alguns destes 15 anos, o PS realizou na Educação, o grupo parlamentar dos socialistas bate palmas entusiastas. Sim, a “geringonça” funciona porque o poder cega. Mas, no final, tudo isto terá um custo.

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