Ó box volta para trás, dá-me tudo

Eduardo Cintra Torres, Correio da manhã, 29.05.2016 01:45 

Vão aumentando os espectadores que usam a TV como usam este jornal: lendo quando lhes apetecer. 

Com o visionamento diferido proporcionado pelas boxes digitais das plataformas de TV por assinatura, os canais de cabo ganham quase 10% de audiência média, mais do dobro do que ganham os canais generalistas com o ‘voltar atrás’ no próprio dia ou nos sete dias seguintes. A prática não é nova, mas antes exigia a posse e o uso de gravadores. Agora é carregar numas teclas e já está. Sem esforço. Entra no hábito. Apesar de a esmagadora maioria do visionamento ser ainda feito em simultâneo com a transmissão dos programas, vão aumentando os espectadores que usam o media televisivo como usam este jornal: lendo quando lhes apetecer, daqui a minutos ou a dias. A facilitação técnica do diferimento é uma realidade excelente para a TV, acrescentando a audiência de certos programas, e para os espectadores, aumentando a possibilidade de ver os programas preferidos. Os dados sobre o visionamento diferido de 1 a 18 de Maio, que pedi à Marktest com base na audimetria da GfK, indicam que os canais cabo ganharam em média 70 900 espectadores por dia, mais 9,8%, enquanto os generalistas portugueses, na TDT e cabo, ganharam 42 600 espectadores, ou mais 4%. Quer dizer, a programação do cabo é mais apetecível para ver em diferido do que a generalista, muito baseada no fluxo televisivo matinal e vespertino. Mas, dado que os três maiores generalistas têm muito mais audiência do que qualquer canal cabo, os números absolutos dos ganhos também são simpáticos para eles. A TVI, canal mais visto, ganha quase 21 mil espectadores, ou 4,8%, e a SIC 16 200, ou 4,7%. A RTP 1, com uma audiência mais envelhecida e programas que não interessam nem às elites nem à restante população, só ganha 4300 espectadores ‘diferidos’, ou 1,8%. Já a RTP 2, que ganha pouco em números absolutos (1300), por ter pouca audiência, tem um acréscimo no diferido de 3,4%. O canal do parlamento, que também chega a todos os lares, teve quase zero de audiência e não ganhou visionamento diferido. Verifiquei em programas concretos dos generalistas em 18 de Maio esta nova realidade: as telenovelas ‘Coração d’Ouro’ e ‘A Única Mulher’ ganham 134 mil e 140 mil espectadores, mais 10,5% e 8,8%, respectivamente. A pornochanchada da TVI ‘Love on Top’, por passar tarde, ganhou 102 mil espectadores, em média, ou 15,1%, o maior aumento dos programas que verifiquei. Os noticiários ganham muito menos e ‘O Preço Certo’ não ganha espectadores ‘diferidos’. É reconfortante para os generalistas ganharem estes espectadores. A má notícia para eles é que os espectadores ‘diferidos’ passam por cima da publicidade a toda a velocidade. A violência nas manifs em França Os telejornais encheram-se de imagens de manifestações violentas em França. A TV pela-se por essas imagens, mas na verdade são notícia. Para mais em França, centro nevrálgico da Europa e, no próximo mês, do mundo futebolístico. O facto de a violência ser um padrão nas manifs em França tem uma explicação: é provavelmente o único Estado europeu que não mudou a atitude perante a multidão. Vive ainda no paradigma oitocentista da "multidão irracional", em que o indivíduo se dissolve na massa e se entrega à violência. Há duas décadas que várias polícias europeias, como a britânica e a alemã (a portuguesa desde 2004), mudaram para o paradigma chamado "desescalada", que passa pela comunicação e cooperação com os manifestantes e pela diferenciação e afinação da intervenção policial. A polícia francesa assume toda a ‘rua’ como inimiga e usa a força indiscriminada e facilmente. Aumenta o potencial de conflito não só no local como na sociedade. ‘Expresso’ e TVI: Panamá desapareceu Nas duas últimas semanas, só houve duas notícias na TV generalista relacionadas com os Panama Papers: uma na RTP, outra na SIC. Já na TVI, associada à investigação mundial, nada de nada. O ‘Expresso’, igualmente associado, também se calou sobre o assunto. A fanfarronice inicial de TVI e ‘Expresso’ deu nisto. O jornalismo não deve ser fanfarrão. 

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