Um ministro em apuros

José António Saraiva | SOL | 02/05/2016 

Não vou entrar na discussão sobre se o ministro das Finanças mentiu ou não mentiu na Comissão Parlamentar de Inquérito.
A mentira supõe ‘intenção’ – e Mário Centeno parece-me um homem sério.
O problema de Centeno não é a falta de princípios – é a fragilidade pessoal e política.
Mário Centeno não tem força política nenhuma – e isso é fatal para um ministro das Finanças.
Qualquer João Galamba, ou mesmo Isabel Moreira, tem mais força política do que o ministro das Finanças.
Assim, Centeno não tem maneira de se impor perante os seus colegas de Governo nem pode impedir o PS de fazer propostas políticas que impliquem aumento da despesa ou diminuição da receita.
Para já não falar da subalternidade completa relativamente ao primeiro-ministro.
Dir-se-á que assim é que está bem, pois a última palavra deve pertencer sempre ao chefe do Governo.
É perigoso pensar assim.
Porque já se percebeu que, em matéria económica e financeira, António Costa tem grandes debilidades.
Isso é notório nas entrevistas e nos debates televisivos, onde frequentemente hesita, ou se engana, ou dá explicações pouco convincentes sempre que se abordam esses temas.
Penso que António Costa é o tipo de primeiro-ministrio que precisaria de um ministro das Finanças forte.
Recorde-se o relativo ascendente que Ernâni Lopes tinha sobre Mário Soares.
Ou que Manuela Ferreira Leite tinha sobre Durão Barroso.
Ou, até, que Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque tinham sobre Passos Coelho.
Mas Mário Centeno não só não tem qualquer ascendente sobre Costa como dá ideia de ser um factótum nas suas mãos.
Em vez de ser o ministro das Finanças a dizer ao primeiro-ministro qual é a margem de manobra política, é António Costa a obrigar o ministro das Finanças a subordinar-se aos interesses políticos.
E a dizer-lhe que números é ‘conveniente’ pôr nos papeis.
Por que digo isto? Porque o Plano de Estabilidade enviado a Bruxelas estabelece metas mas não explica o modo como são atingidas – como notou o Conselho de Finanças Públicas – e algumas são incoerentes entre si.
Mas nem é este o aspeto mais preocupante.
Todos nos recordamos de que, na campanha eleitoral e antes dela, António Costa, na sua voz grave, repetiu dez, cem, mil vezes, que o ‘segredo’  do PS era a aposta no crescimento.
«Enquanto o PSD insiste na austeridade, o nosso caminho é outro: nós apostamos no crescimento económico» – disse e repetiu Costa.
E daí partia tudo.
Como a economia crescia mais, o fisco cobrava mais impostos – e esse dinheiro dava para cobrir o que o Estado iria gastar mais para «virar a página da austeridade».
No Programa Eleitoral do PS sufragado pelos portugueses, os cálculos eram feitos com base num crescimento de 3,1%.
Mas esse valor foi baixando, e neste momento já vai em 1,8%.
Mesmo assim ninguém acredita nele.
Nenhuma entidade interna ou externa valida este número.
Mas o mais perplexizante ainda não é isso: o mais estranho é que, enquanto o crescimento se reduz brutalmente, os outros números ficam mais ou menos na mesma.
Aquilo que para os socialistas era o mais importante encolhe quase para metade – mas os valores à sua volta ficam iguais por artes mágicas.
Daí eu dizer que Centeno ‘ajeita’ os números de acordo com as conveniências de António Costa.
E assim sendo, podemos vir a ter um buraco colossal nas contas públicas.
Mas as dúvidas ainda não ficam por aqui.
Como se explica que, depois de tudo o que foi feito em prol da economia, o crescimento económico possa ficar abaixo do do ano passado (1,5% do PIB)?
Como se entende que, tendo-se optado por um Orçamento que implica muitos riscos – justificados com a necessidade de «pôr a economia a crescer» –, os números do ‘crescimento’ possam ficar abaixo dos dos tempos da ‘austeridade’?
Seria um flop monumental.
Nos últimos tempos de Sócrates, todos diziam que o país caminhava para o precipício – mas ele, impávido, continuava a negar a realidade e a resistir ao resgate.
Agora, começamos a assistir a um espetáculo semelhante: perante as previsões que vão saindo, perante as críticas que vão sendo feitas por entidades independentes, perante os alertas que vão sendo dados, António Costa assobia para o ar e os deputados da 1.ª fila do PS atacam os mensageiros.
Galamba arrasou Teodora Cardoso como se estivesse a falar de uma perigosa oposicionista...
A grande diferença em relação ao tempo de Sócrates é que o ministro das Finanças de então, Teixeira dos Santos, ainda tinha alguma força – e encostou o primeiro-ministro à parede.
Ora, Mário Centeno não tem força nenhuma.
Se a situação se complicar, iremos mesmo ao fundo. 
P.S. – Esta semana conheceu-se a execução orçamental do 1.º trimestre, que causa alguma proecupação. Apesar de se estar a funcionar com duodécimos, o défice foi superior ao homólogo. Ora, do ano passado para este, era suposto o défice descer e não subir...

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