Precisa o Governo de confundir o povo?

Cristina Líbano Monteiro
Observador 19/6/2016

O Governo abriu, com o Aviso de 20 de Maio passado, um concurso 'a título excepcional' porque a norma não permitia abrir um concurso normal — esse foi aberto em 2015 e só poderá voltar a sê-lo em 2018
Sempre pensei que quanto mais alguém está convencido da bondade de uma ideia, de uma tese, de uma solução para determinado problema, mais gosta de a explicar com clareza, de a confrontar com outras ideias, teses ou soluções, de procurar que as demais pessoas cheguem a convencer-se — pela força dos argumentos — de que a razão parece estar do seu lado. Mas tenho verificado que com certeza estou enganada. Vejo demasiadas vezes esse alguém — que pode até ser o Governo — enveredar pelo caminho oposto: confundir o problema, martelar as cabeças com ‘inverdades’, fazer crer que em causa está um assunto diferente, violar a norma porque aplicá-la não serve os seus objectivos.
Passo a explicar, tendo em mente esta ‘guerra’ dos contratos de associação.
O grande problema desta ‘guerra’ é que está a ser travada no momento errado. Segundo as normas aplicáveis ao caso, o concurso para abertura de turmas de início de ciclo com contrato de associação deve acontecer de três em três anos. Se o último teve lugar em 2015, o próximo deverá acontecer em 2018. Quer dizer: o concurso de 2015 contempla já, necessariamente, aberturas de ciclo nos anos lectivos de 2015/2016, 2016/2017 e 2017/2018. Mas porquê essa cadência trienal? Porque se entendeu que a estabilidade que interessa assegurar em matéria de organização educativa ficava melhor servida assim do que se todos os anos houvesse que recomeçar. Acautela-se, além disso, que uma turma financiada em início de ciclo continuará a sê-lo até ao fim do mesmo: se é do 5º ano, o contrato abrange também o 6º; se for do 7º ano, ele irá até ao 9º; se é do 10º, permite igualmente os dois anos de continuidade.
Significa isto que esta selecção de escolas não contratadas poderia ser levada a cabo em 2018. Fazê-lo antes leva consigo uma subversão da confiança de todos — escolas, pais, professores, alunos, funcionários — no sistema; uma desordem em alturas em que tudo costuma estar já preparado para o ano lectivo seguinte; um incumprimento de um contrato que não se espera do Estado, supondo que este ainda procura ser pessoa de bem.
Já se ouve a crítica: mas o Governo não interpreta assim as normas que invocas; o Governo entende que todos os anos deve abrir concurso para os contratos que envolvam inícios de ciclo, que é esse o procedimento normal previsto no diploma. A resposta mais clara e talvez menos esperada é esta: o Governo, para as escolas cujos contratos de associação manteve, abriu — com o Aviso de 20 de Maio passado — um concurso ‘a título excepcional’. Esclareço um pouco mais: vendo que a norma não permitia abrir um concurso normal — esse foi aberto em 2015 e só poderá voltar a sê-lo em 2018 —, o Governo lançou mão de um subterfúgio. Acolheu-se à possibilidade de abrir um concurso a título excepcional… quando nenhuma circunstância excepcional ocorre!
Professora da Faculdade de Direito de Coimbra

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