António Costa admite que Rocha Andrade cometeu crime

João Lemos Esteves
Sol, 2016.09.09

Como é que Rocha Andrade, depois de António Costa lhe dar este presente envenenado, se mantém no Governo? 

1. O Governo avançou com – finalmente – com o tão prometido Código de Conduta. Esta foi a fórmula encontrada por Augusto Santos Silva para reagir à polémica conhecida (exageradamente) como “Galpgate”: a ida de responsáveis governativos com altas e exigentes responsabilidades – com especial  destaque para o Secretário de Estado das Finanças, Fernando Rocha Andrade – à bola de borla. Com todas as despesas pagas pela GALP. Em Agosto, o país indignou-se – António Costa permaneceu, serenamente e imperturbável, de férias, mandatando Santos Silva para responder não respondendo. Confuso, caro leitor? Nem por isso.

2.Responder não respondendo consiste precisamente no que o Governo fez – aprovar um Código de Conduta em termos vagos e imprecisos, que fixa deveres que os membros do Governo devem cumprir. Devem – e não “têm que cumprir”. A verdade é que, em Direito, a interpretação literal (a mera fixação do sentido semântico, gramatical das regras jurídicas) nem sempre coincide com a interpretação normativa (a fixação do conteúdo da norma, daquilo que a regra impõe ou permite) – por vezes, o “deve” significa “tem”; assim como o “tem” pode significar “deve”.

2.1. Neste caso, contudo, o “devem” significa mesmo “devem” – e não “têm de”. Porquê? Porque se os governantes incumprirem o tal “Código de Conduta” nada acontece. Não são previstas consequências. Haverá apenas, segundo Augusto Santos Silva, uma “responsabilidade política” difusa, a concretizar pelo eleitorado. Ou seja: o Código de Conduta serve para orientar o eleitorado no juízo a fazer sobre a actuação do Governo.

2.2. Esquece-se, no entanto, que se a violação do “Código de Conduta” gera responsabilidade política, a violação das suas regras de conduta pode ser fundamento de demissão do Governo pelo Presidente da República. E, na prática constitucional portuguesa, a osmose entre Governo e Parlamento, faz com que a efectivação da responsabilidade política do Governo perante o Presidente da República se traduza na dissolução da Assembleia da República (e não na simples demissão do Governo: vide os precedentes recentes de Jorge Sampaio, em 2004, e de Cavaco Silva, em 2011).

2.2.1. Ora, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa já veio desautorizar o Secretário de Estado Rocha Andrade no final de Agosto, em Viseu, após o seu regresso de férias. Implicitamente, pediu a demissão de Rocha Andrade a António Costa – e fê-lo em público e não apenas em privado, na reunião semanal com o Primeiro-Ministro. O que significa que Marcelo considera o comportamento de Rocha Andrade como muito grave – e não se coibirá de efectivar a sua responsabilidade política…

3. Posto isto, cabe, ainda, concluir que o Primeiro-Ministro, o inefável António Costa, acabou de condenar (até criminalmente) o seu Secretário de Estado e amigo Rocha de Andrade. É que a lei comina com responsabilidade criminal as ofertas a responsáveis políticos, a não ser as que sejam conformes aos usos sociais. Ora, o que veio o Governo do PS dizer com este Código de Conduta? Que os responsáveis do Governo só podem receber ofertas até 150 euros (a não ser que a recusa possa gerar controvérsia diplomática ou institucional).

3.1. Isto é, para António Costa e seus camaradas, as ofertas conformes aos usos sociais são aquelas que perfazem um valor patrimonial até ao limite máximo de 150 euros…A oferta da GALP a Rocha Andrade tem o valor de 2000 euros! Donde, conclusão lógica: este oferta não é uma oferta conforme aos usos sociais, logo, os membros do Governo cometeram um ilícito criminal, segundo António Costa. Há juristas qualificados que advogam que a oferta da GALP se enquadra na permissão normativa pelo que a conduta de Rocha Andrade não consubstancia um ilícito criminal. Não  é, no entanto, a opinião de António Costa – para Costa, a conformidade aos usos sociais são apenas as ofertas até 150 euros.

4. Pois bem, o Governo, com o Código de Conduta, veio desproteger, expor Rocha Andrade à Justiça. Os procuradores do Ministério Público, responsáveis pela investigação, não deixarão de ter em conta esta opinião de António Costa para efeitos da interpretação da Lei da responsabilidade dos titulares de cargos políticos.

4.1. Pergunta: como é que Rocha Andrade, depois de António Costa lhe dar este presente envenenado, se mantém no Governo? A honra de um homem é muito mais importante do que qualquer cargozinho de poder. Ou Rocha Andrade aceita todos os presentes que lhe oferecem, mesmo os que significam a sua condenação, política e não só, pelos seus colegas de Governo? Como político, Rocha Andrade já perdeu: perdeu a sua autoridade e prestígio. Como homem, Rocha Andrade não pode perder esta oportunidade que mostrar que é sério e moralmente recto (como é!) – tem que apresentar a sua demissão nos próximos dias…A sua situação é intolerável. Intolerável para si. Intolerável para o Governo. Intolerável para a democracia portuguesa. 

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