Não teve golpe: o triunfo da ordem constitucional no Brasil

André Azevedo Alves
Observador 3/9/2016

O afastamento de Dilma da Presidência sem ruptura com a ordem constitucional vigente não deve ser subestimado, já que a máquina de poder do PT instalada em torno do Estado foi abrangente e meticulosa.

Uma vez afastada Dilma, e dando cumprimento à ordem constitucional brasileira, cabe ao Vice-Presidente assumir a Presidência até ao final do mandato, em 31 de Dezembro de 2018. Michel Temer, importa recordar, foi o vice escolhido pela própria Dilma, que ainda em 2014 agradecia ao seu “companheiro de chapa e companheiro de todas as horas”.
Face à história política e constitucional do Brasil, a conclusão do processo de afastamento de Dilma Rousseff da Presidência do Brasil constitui um marco de grande relevância. De facto, o afastamento pacífico de Dilma, no estrito cumprimento das disposições constitucionais brasileiras, torna possível salvaguardar o Estado de Direito no Brasil e demonstra a robustez institucional do país. Essa robustez é particularmente louvável no actual difícil contexto económico, político e social que confronta o Brasil com vários importantes desafios.
O significado do afastamento de Dilma da Presidência sem ruptura com a ordem constitucional vigente não deve ser subestimado, já que a máquina de poder do PT instalada em torno do Estado foi abrangente, meticulosa e absorvente. Face a essa máquina, só o facto de o Brasil continuar a contar com algumas importantes instituições independentes e com uma vigorosa sociedade civil possibilitou que o processo de impeachment de Dilma Rousseff pudesse decorrer de forma pacífica e ordeira.
Apesar de ter obtido apenas cerca de 14% dos votos nas eleições parlamentares de 2014, a base de poder do PT é bastante mais abrangente, assentando num complexo jogo de apoios, alianças e cumplicidades. Neste contexto, o controlo da Presidência é, obviamente, uma peça fundamental para o projecto de poder do PT e também por isso foi particularmente importante para o Brasil que tenha sido possível afastar Dilma Rousseff democraticamente e com pleno respeito pelo Estado de Direito e suas instituições.
Quando, há pouco mais de um ano atrás, perspectivei o Brasil à beira do abismo, referi que a esperança residia na vitalidade da sociedade civil brasileira. Uma vitalidade bem patente nas manifestações anti-governamentais e num vasto conjunto de organizações voluntárias da sociedade civil – como o Movimento Brasil Livre ou o Instituto Mises Brasil – com importante impacto educacional e mediático. O bem sucedido impeachment de Dilma é também fruto do notável trabalho e mobilização desses agentes e organizações em defesa da liberdade no Brasil.
É justo deixar aqui também uma nota sobre a posição tomada pelo Governo português nesta matéria. Os primeiros sinais apontam inequivocamente no sentido de que estão a prevalecer o bom senso e o sentido de Estado. O facto de a actual solução governativa estar dependente do apoio da extrema-esquerda portuguesa torna ainda mais significativo que o Governo português tenha reafirmado a vontade de aprofundar as relações económicas e culturais entre os dois países, salientando também explicitamente o “cumprimento das disposições constitucionais brasileiras” na tomada de posse do Presidente Michel Temer.
Em suma, todos quantos reclamavam “não vai ter golpe” podem e devem, se forem suficientemente esclarecidos e imparciais para o efeito, dar-se por satisfeitos: não houve golpe e triunfou a ordem constitucional no Brasil. Resta agora esperar que a vitalidade institucional e da sociedade civil brasileira que propiciou este desfecho possa também abrir caminho a um panorama político brasileiro novo, com exigência acrescida para enfrentar os desafios do futuro.

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