De vez em quando… o I.M.I. sobre as casas dos padres

Pe. J. Correia Duarte
Voz de Lamego, ano 86/40, n.º 4376, 30 de agosto de 2016
Chegou ao meu conhecimento de que, há dois ou três dias atrás, uma dedicada funcionária pública, escutando atenta na repartição onde trabalha, que alguns párocos foram notificados para pagarem I. M. I. sobre os imóveis das suas paróquias, assim se dignou comentar:
- Acho muito bem! Porque é que os padres não hão pagar IMI das casas deles, como toda a gente paga?
Também me foi referido que alguém aí presente, mais conhecedor do assunto, lhe fez ver por A mais B que a sua afirmação não estava certa.
Efetivamente, o que ela chamava “Casas dos Padres” – igrejas, residências paroquiais e outros edifícios das paróquias destinadas a dar apoio religioso, social e cultural às pessoas da comunidade, nomeadamente na educação das crianças e dos jovens, ou para cuidarem dos doentes, dos pobres e dos idosos – não são dos padres. São da Igreja. São do Povo Cristão. Todas erguidas com as esmolas voluntárias do povo crente, todas sustentadas com os óbolos generosos dos fiéis cristãos, sabe Deus com que sacrifício. Os padres apenas as vão gerindo, sabe Deus com que esforço, com que dificuldades, muitas vezes pondo dinheiro do seu próprio bolso. Sei do que falo. Tanto não são dos padres que, quando eles morrem ou mudam de lugar e de serviço, não as levam com eles, nem as deixam aos seus herdeiros.
Por amor de Deus! Das casas deles, sempre os padres pagaram IMI como toda a gente paga.
Isto de as instituições da igreja católica pagarem IMI, devo dizer que “nem ao diabo lembra”! Eu próprio, pároco da paróquia de São Miguel de Anreade, devo informar que fui dos primeiros a ser notificado para o fazer, por via electrónica. Nem queria acreditar. Cheguei até a pensar que fosse alguma brincadeira de abril ou alguma tentativa falsa de me sugar dinheiro por parte de algum oportunista ou ladrão, que tantos andam por aí.
É que, por exemplo na paróquia de Anreade que sirvo dedicadamente, só conheço três edifícios no seu património: uma Igreja onde se presta culto a Deus e se dispensa serviço religioso a todos os que o procuram, sem qualquer dízimo ou qualquer quota obrigatória;  uma Casa de Residência construída para o pároco nela viver, querendo ou precisando, com diversas salas dedicadas à Catequese das Crianças e onde se guardam andores e outras coisas para serviço do culto;  e um Centro Paroquial onde se dá apoio mensal gratuito a dezenas de famílias pobres, onde se emprestam camas articuladas a idosos e doentes de famílias carenciadas que as não podem comprar, onde se facilitam consultas e apoio médico a doentes que têm dificuldade em consegui-los de outro modo. Já viram estes três edifícios, donde a paróquia não tira qualquer rendimento, onde a paróquia gasta o que tem e o que não tem, em eletricidade, na sua conservação, etc. a apagar 923,90 de IMI ao Estado, em cada ano? Fiquei revoltado, e já protestei na secção de Finanças. Os meus leitores já alguma vez imaginaram as esmolas voluntárias dos fiéis e dos sacerdotes para que seja assegurado o culto e a educação religiosa na sua paróquia, a serem exigidas pelo Estado? Já basta as igrejas pagarem impostos de umas migalhas de euros que tenham nos bancos para as despesas normais e ordinárias – euros que são (que vergonha!), esmolas e donativos voluntários dos fiéis.
Isto da Igreja Católica estar isenta de pagar impostos ao Estado – (a não ser de edifícios ou estruturas que possua para deles ou delas auferir rendimentos, que desses paga e deve mesmo pagar)-  um direito consignado no artigo 26º da Concordata entre o Estado Português e a Santa Sé, assinada em 2004, é por vezes mal visto por muitos, até por alguns que certamente defendem com reta intenção uma justiça distributiva mais correta, no pagar e no receber.
Desconhecem, porém, duas coisas essenciais: a primeira é que a igreja vive das esmolas voluntárias e espontâneas dos fiéis, não é uma empresa que procure ou arrecade lucros e proveitos, e que, pelo contrário, as estruturas da igreja estão ordenadas apenas para serviço do povo (educativo, religioso e assistencial); a segunda é que a Igreja Católica (ao contrário de todas as outras religiões ou seitas religiosas existentes no país), foi esbulhada pelo Estado, uma e outra vez, de todas as suas estruturas conseguidas com muita canseira dos pastores e com incalculável sacrifício dos católicos, sempre generosos em contribuir para essa Igreja que muito amam.
Basta pensar no decreto liberal de 30 de Maio de 1834, que extinguiu “todos os conventos, mosteiros, colégios e hospícios e quaisquer outras casas de religiosos regulares”, com “incorporação dos seus bens nos próprios da Fazenda Nacional”, bens que afinal foram parar, na sua maioria, graciosamente, às mãos das clientelas partidárias, assumindo o Estado as despesas e os encargos de muitas instituições de ensino e assistência até então providas pela Igreja. Mau e acintoso negócio!
Basta recordarmos que a República de 1910, eivada de ideologia e de objetivos maçónicos,  e na tentativa de subjugar a Igreja, retirou a personalidade jurídica à Igreja e às suas instituições, e expropriou-a de todos os seus bens, incluindo igrejas, capelas, seminários, conventos, e ainda as residências e os quintais dos párocos (Lei da Separação, de  11 de abril de 1911, Cap. IV, artigo 62.º): um roubo geral e colectivo que causou inúmero sofrimento ao povo católico e aos seus pastores, deixando-os sem nada. Os templos vieram a ser devolvidos à Igreja mais tarde, em 1940, pelos “ditadores” do Estado Novo, mas os seminários, os conventos, as residências dos párocos e os quintais paroquiais, vendidos  entretanto em hasta pública a particulares na sede de cada distrito, nunca mais voltaram à posse dos seus legítimos donos, e o povo católico teve que, mais uma vez, construir tudo de novo, quer nas sedes das dioceses quer nas paróquias rurais.
Depois disto, ainda se sentem com vontade e com coragem de a obrigar a pagar IMI?
Sit modus in rebus!
Haja bom senso!

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