A era da pós-verdade

JOSÉ MANUEL DIOGO     20.11.16     JN  

A palavra do ano 2016 é... "pós-verdade". E faz muito sentido! Depois de tantos anos a ouvir mentiras, as vantagens da verdade, foram ultrapassadas na nossa consciência, por uma simples aparência de credibilidade.

Se olharmos à nossa volta percebemos porquê. Filmes e séries de TV são regularmente sobre patranhas e vigarices, e até os meios de comunicação social cobrem de forma exaustiva a desonestidade a mentira. Os mentirosos são uma espécie de heróis dos tempos modernos. Donald Trump e os protagonistas do Brexit apenas vêm prova-lo.
Para ser franco, caro leitor, e deixe-me que lhe diga a verdade com a maior honestidade, estas linhas são sobre a mentira. Quero que note, por isso sublinho com tanta insistência, que vou, de facto dizer-lhe apenas a verdade. Já reparou como isto acontece tantas vezes? Até parece que normalmente dizemos mentiras. Será que é assim? E você, diz sempre a verdade? Talvez não.
Diz a ciência que somos todos mentirosos. E o pior é que a mentira, que antes tinha perna curta, consta que agora, até compensa. A investigadora norte americana Bella DePaulo, que durante mais de duas décadas estudou a desonestidade, chegou à conclusão que as pessoas mentem todos os dias. Pelo menos uma vez por dia. Num dos estudos que realizou verificou que, mesmo quando alguém tentava passar uma semana inteira sem mentir, isso revelava-se muito difícil. É uma coisa inata que faz parte dia a dia.
Concluiu que as pessoas mentem mais quando querem causar uma boa impressão, que as pessoas mais bonitas fogem mais depressa à verdade que as feias e que também é mais comum que lhes mintam. Descobriu que é mais provável mentir àqueles de quem gostamos do que a completos desconhecidos e que, a maior parte das vezes, mentimos sem nenhuma razão para isso.
Diariamente dizemos mentiras de vários graus e qualidades sem dores de consciência. Desde "adoro sushi" a "amo-te" é tudo normal. Mentir é uma coisa rotineira que faz parte da essência da vida e apresenta-se como uma das necessidades sociais e profissionais mais comuns. Enganar os outros, nos tempos que correm, parece ser encarado como um simples passatempo. No entanto, cinicamente ao mesmo tempo que desculpamos as nossas pequenas mentiras, mostramo-nos consternados a por haver tanta desonestidade no mundo.
Talvez por isso a expressão "pós-verdade" foi eleita a palavra do ano de 2016. Para os editores dos dicionários Oxford, que desde 2004 escolhem a palavra que melhor reflete, sinteticamente, determinadas tendências ou acontecimentos que marcam o ano, "pós-verdade" é um adjetivo que se utiliza quando se pretende classificar ou sublinhar que, em determinadas circunstâncias, os factos objetivos - a verdade - têm menos influência na formação de opinião pública do que os apelos emocionais e as opiniões pessoais - que podem ser mentiras.
Os editores pensam que o sucesso da palavra - a sua utilização aumentou 2000% desde o ano passado - está diretamente relacionada com o Brexit e eleição de Trump. Mas estes dois acontecimentos, onde a linha que separa verdades e mentiras não foi bem desenhada, não são uma coisa nova. Há décadas que as mentiras fazem parte do discurso político oficial. O que havia era menos gente a dar por isso.

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