Escola inimiga da família

INÊS TEOTÓNIO PEREIRA     DN       14.05.2018

   A escola tem um problema: só funciona com e para os bons alunos, ou seja, os que têm melhores classificações. Os bons alunos podem não ser inteligentes, curiosos ou dotados de qualquer criatividade ou desembaraço - e até podem não saber atar os sapatos - mas se tiverem memória fotográfica são bons alunos. Percebe-se quem são os bons alunos nos primeiros anos de escolaridade e não tem nada que ver com o desempenho dos professores, com os programas, com o número de alunos por turma, com os manuais. Zero. A variável determinante são as características de cada um: o desempenho escolar é pré-escolar, nasce com eles. Se as letras fazem sentido nas suas cabecinhas, se forem dotados de uma boa memória e se não tiverem dificuldade em perceber uma conta de dividir, serão bons alunos. E daqui nasce o brio: um miúdo que gosta de fazer as coisas bem feitas está facilmente entre os melhores. Com o brio chegam os resultados, com os resultados a competição e com a competição a autoexigência. A escola é um pormenor: estes miúdos são bons alunos em qualquer parte do mundo e apesar de qualquer escola, ministro ou professor. Podem chegar ao fim da escolaridade sem saber estrelar um ovo ou sem terem lido um livro fora dos obrigatórios, mas serão certamente os melhores. E a escola só sabe lidar com estes. Com todos os outros, com aqueles que tendencialmente não seguem a linha do óbvio, que têm dificuldade em decorar, que desenham nos cadernos, que rezam para passar incógnitos e que se concentram a imaginar, esses, estão fritos. A escola não sabe o que fazer com eles. Não é por mal, mas não sabe mesmo. O nosso sistema não sabe transformar um mau aluno num aluno médio e um aluno médio num bom aluno. Não tem tempo, não tem pedagogia, está soterrada em burocracia, está refém dos maus professores - é irrelevante os professores serem bons ou maus -, vive no sobressalto com as alterações nos currículos, metas e manuais. A nossa escola está cansada, farta do "agora é que é". O resultado é que hoje a escola é um dos principais senão o principal fator desestabilizador das famílias: um miúdo considerado mau aluno pela escola corre o risco de ser considerado mau filho pelos pais. E esta é a maior tragédia do nosso sistema educativo: os efeitos desastrosos que a falta de resposta da escola tem nas famílias e na confiança dos nossos filhos. A culpa também é nossa, dos pais? Seria, se não fosse obrigação da escola adaptar-se à realidade das famílias em vez de serem as famílias a terem a obrigação de se ajustar à esquizofrenia do nosso sistema educativo. A escola pode ser uma coisa boa para todos e não um pesadelo para a maioria.

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